
Por que fingimos estar bem mesmo quando estamos mal?
Especialista explica como máscaras emocionais funcionam e quais sinais merecem atenção; acolhimento sem julgamento pode salvar vidas
Sorrisos largos, rotina aparentemente normal e até momentos de descontração com amigos. Mas, por trás dessa fachada, muitas pessoas escondem um sofrimento profundo. Esse fenômeno tem nome e demanda atenção: é a chamada "depressão sorridente", mais comum do que se imagina em uma era marcada pela busca incessante por produtividade e pela pressão social de parecer feliz nas redes sociais.
Segundo a psicóloga Eliza de Cássia Rodrigues Melo (foto), parceira da Hapvida Bauru, trata-se de um quadro em que, mesmo enfrentando sintomas depressivos como tristeza, desesperança ou falta de motivação, o indivíduo consegue manter uma imagem de normalidade. "Essas pessoas seguem trabalhando, convivendo socialmente e até rindo, mas sem demonstrar os sinais de sofrimento. Isso acontece porque aprendem a camuflar suas emoções, seja por medo de julgamentos, para não preocupar familiares ou por acreditarem que precisam manter uma postura de força", explica.
A situação se conecta ao que os psicólogos chamam de "máscara social", uma forma de adaptação para ser aceito em diferentes contextos. Em certa medida, desempenhar papéis sociais faz parte da vida, mas, quando isso se transforma em obrigação permanente, pode ser prejudicial, conforme explica a profissional. "No campo da saúde mental, essa máscara pode atrasar o diagnóstico e dificultar o início do tratamento, já que a pessoa oculta totalmente seu sofrimento", alerta Eliza.
Riscos do "disfarce"
Fingir estar bem pode até funcionar a curto prazo, mas o desgaste aparece cedo ou tarde. A psicóloga aponta que o risco cresce quando os sintomas persistem por semanas e começam a impactar a rotina e a vida. "Alterações no sono, no apetite, na produtividade ou nas relações pessoais já são sinais de alerta. Nesse ponto, é importante buscar ajuda para evitar o agravamento do quadro", destaca.
O alerta se intensifica com o prolongamento desse padrão, que pode levar a uma sensação de vazio, crises de ansiedade e até gerar pensamentos suicidas. "É justamente por trás de muitos sorrisos que, geralmente, se escondem as maiores dores", frisa a psicóloga.
Sinais de atenção
Identificar alguém que sofre em silêncio exige sensibilidade. Eliza orienta observar mudanças sutis, como isolamento social, desinteresse por atividades antes prazerosas, cansaço constante ou alterações de humor. Até frases em tom de brincadeira podem carregar pedidos de socorro. "Quando alguém diz 'não aguento mais' ou 'estou no limite', pode ser um grito de ajuda disfarçado. Prestar atenção no contexto é fundamental", reforça a profissional.
Poder do acolhimento
Mais do que oferecer soluções, o que pode ajudar a salvar vidas é a escuta empática. "Quando uma pessoa encontra espaço para falar sem julgamentos, já sente um grande alívio. Pequenos gestos, como perguntar genuinamente 'como você está?', oferecer companhia ou simplesmente lembrar que ela não está sozinha, têm um impacto enorme", ensina a psicóloga.
Essas atitudes, somadas ao incentivo para que a pessoa busque acompanhamento profissional, podem ser decisivas. "O apoio acolhedor faz diferença tanto no início do processo terapêutico quanto na manutenção do tratamento", reforça.
Como exemplo, Eliza cita o caso de uma paciente que, por anos, viveu com a "depressão sorridente". "Ela trabalhava, cuidava da família, parecia sempre bem. Mas relatava se sentir exausta e sem perspectiva, demonstrando sofrimento interno. O divisor de águas foi o apoio de uma amiga, que a encorajou a buscar ajuda e se manteve presente nas pequenas coisas do dia a dia. Com a psicoterapia e, por determinado momento, acompanhamento psiquiátrico também, ela conseguiu ressignificar a dor, retomar projetos e fortalecer vínculos", exemplifica.
Hoje, essa paciente inspira outras pessoas a não enfrentarem sozinhas o sofrimento emocional. "Esse exemplo mostra como acolhimento e cuidado coletivo são importantes e podem transformar vidas", indica a psicóloga.